PRUDENTE – OSLAINE SILVA

Henrique Chagas

Agora, pessoas com restrição de visão, ou seja, portadoras de visão monocular, serão reconhecidas como pessoa com deficiência em Presidente Prudente, uma vez que foi sancionada a Lei Municipal 10.275/2020, de 16/10/2020, de autoria do prefeito Nelson Roberto Bugalho (PSDB). Com isso, ficam assegurados a elas os mesmos direitos e garantias que têm demais pessoas com deficiência. O advogado Henrique Chagas, 60 anos, aposentado, advogado, ocupou o cargo de coordenador jurídico regional da Caixa Econômica Federal em Presidente Prudente, é instrutor, palestrante e escritor, é um deficiente monocular, e esclarece alguns pontos sobre este assunto. 

O que é a visão monocular?
É a cegueira de um dos olhos que pode ser causada por várias razões, desde doença como glaucoma, a distúrbios infecciosos intraoculares (toxoplasmose), disfunções da córnea ou retina, tumores intraoculares, ambliopia, mais conhecida como visão preguiçosa, e também por traumas oculares, como acidentes, por exemplo. 

Quando perdeu sua visão?
Foi na infância, quando tive toxoplasmose. Ou seja, desde criança nunca enxerguei o mundo com os dois olhos, apenas com um, o direito. Isso tem consequências enormes na vida da gente! Eu sempre faço uma comparação de que enxergar com um olho só é como dirigir numa estrada à noite com um farol queimado. Esse é o exemplo que dou para mostrar a grande dificuldade que é.

Qual é o seu envolvimento com o tema?
Meu envolvimento começou de fato quando fui me aposentar, após 38 anos de contribuição previdenciária. Como a maioria que procura esconder, eu nunca havia dito às pessoas que era monocular. E foi nesse momento que fui buscar me aposentar como pessoa com deficiência. A partir dali me envolvi com o tema e hoje luto pelos direitos de todos os monoculares. Temos grupos de WhatsApp auxiliando e articulando na aprovação de leis municipais do Estado de São Paulo. Participo de grupos de Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS). 

Esta lei já vigora no país?
Esta restrição visual é considerada como deficiência em praticamente todos os Estados brasileiros (o Paraná está bem mais adiantado nessa luta) e em mais da metade dos municípios. Nós, da União dos Monoculares, que é formada por líderes e articuladores do Brasil inteiro, procuramos ajudar na articulação da lei federal que já passou por duas sessões no Senado, uma na Câmara, faltando apenas seu presidente Rodrigo Maia pautar a próxima votação para depois ir à sanção presidencial. 

Essa lei chega em boa hora ou vem atrasada?
Chega em boa hora, claro! Mas em um contexto de toda a questão das pessoas monoculares está bastante atrasada. Para se ter uma ideia, a lei estadual paulista foi aprovada em 2011 e a municipal só agora em 2020, isso porque apresentei o projeto ao prefeito Nelson Roberto Bugalho, que aprovou sem pestanejar, assim como a Câmara de Vereadores, de forma unânime. Mas a lei federal, por exemplo, apesar de vários anos de tramitação no Congresso Nacional, ainda não saiu. Apesar de o Poder Judiciário há décadas vem concedendo equiparação aos demais deficientes em questões pontuais e, algumas vezes, até reconhecida por órgãos da administração pública, como é o caso da aposentadoria, da isenção de imposto de renda sobre aposentadoria. E por aí vai. Em Assis está em andamento e acreditamos que em breve será aceita. Ourinhos e Marília já aprovaram também. 

Diante da demanda, o engajamento das pessoas para estas aprovações é importante?
A demanda dos monoculares com relação à aprovação de leis ocorre há décadas. Especialmente busca junto ao Poder Judiciário. E por incrível que pareça tem Estados brasileiros, como Belém (PA), por exemplo, que não tem lei estadual, nem municipal. Então, precisa ter um engajamento das pessoas. Precisamos incentivá-las. E elas estão entrando com ações judiciais. Ações que não necessitariam delas, como por exemplo, para conceder passes de ônibus para monoculares pobres que precisam desse benefício do município. Então, estas demandas vêm acontecendo seja no Poder Judiciário em busca de ações, ou no trabalho junto aos legisladores. Porque vereadores existem para fazerem leis que beneficiem a população.

Por que é importante o reconhecimento dos monoculares como PCDs?
Porque passam a ter os mesmos direitos e garantias estabelecidos para todas as pessoas deficientes. Passa-se a aplicar o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o monocular não precisa ter que lutar tanto, recorrer ao Poder Judiciário, pois já estaria garantido através de leis existentes a favor das PCDs.

Que tipo de direito é assegurado a esse público a partir da lei em questão? 
Os mesmos que os deficientes já têm, como poder pegar uma credencial para transporte público, que acho muito importante para as pessoas de menor poder aquisitivo, uma vez que, um grande problema do monocular é a questão da mobilidade. Direito à zona azul, prioridades em questões habitacionais, entrada em eventos, espaços públicos gratuitamente. Isso tudo no plano municipal. E no federal existem outros tantos direitos já reconhecidos, como aposentadoria por tempo de contribuição como as pessoas com deficiências, segundo essas regras.  

Como pessoa com visão monocular, você já sofreu preconceito? Foi destratado de alguma forma?
Não. O que senti foram inúmeros constrangimentos. Já caí de terno e gravata na porta do Fórum e ter que pedir desculpas para as pessoas, imagine um constrangimento geral como se eu fosse um atrapalhado, sabe? E não é isso. Em Prudente, as calçadas são totalmente irregulares, então é fácil, fácil de cair.

Quais as dificuldades de uma pessoa monocular?
A visão monocular não dá tridimensionalidade das coisas, então a gente tropeça, cai muito, temos dificuldade em calcular corretamente a altura do meio fio ou de uma escada, a profundidade de um buraco, estacionar um veículo por não ter a visão perfeita da lateral. Como citei em um dos meus artigos para O Imparcial, outros fatores também são importantes: paralaxe, noção de tamanho relativo e tons de sombreamento da imagem vista. A ausência de estereopsia (visão binocular) limita o ser humano em várias atividades consideradas normais, tais como: práticas esportivas, profissionais e de lazer, inclusive impede de assistir a imagens que utilizam a tecnologia 3D (3ª dimensão).

Um momento de tensão…
Quando passei no concurso da Caixa. No momento de fazer o exame de vista, o médico já ficou sabendo que eu era monocular. Ali ele tinha a opção de marcar que eu era apto ou inapto ao cargo. Imagine! Antes dele assinalar qualquer coisa eu já fui dizendo que era apto a realizar atividades que não exigiam 100% de acuidade. 

Tem alguma observação que gostaria de fazer?
Uma dica que eu dou às mães é que prestem atenção nos seus filhos que são meio atrapalhados. Por exemplo, aquela criança que vai pegar um copo e derruba. Que tromba demais nas coisas. Enfim, tudo que mencionei, pois de repente ele pode não estar enxergando o mundo ao seu redor direito. Ele pode não estar enxergando o mundo com os dois olhos!


Henrique Chagas

Henrique Chagas, palestrante, instrutor, mediador de conhecimentos, escritor, advogado e gestor na área jurídica. Cursou pós-graduação em Direito Civil e Direito Processual Civil e fez MBA em Direito Empresarial pela FGV. Leia mais em "Sobre Mim".

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